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- Apresentamos as sapatilhas de competição em gravel SHIMANO S-PHYRE RX910
- 28/08/2025
Artigo de Mark Beaumont
Fotos de Markus Stitz
A história a seguir foi tirada da CADENCE, uma coletânea de contos de ciclismo de estrada de todo o mundo. Cada história é contada para inspirar, para nos levar mais para perto dos personagens e comunidades, próximos e distantes, todos conectados por uma vida vivida sobre duas rodas.
Nove horas. Não parece muita coisa. É tempo suficiente para fazer algum progresso, ser modestamente produtivo. É um dia sólido no escritório. É uma viagem de Heathrow ao O’Hare de Chicago em um voo sem escalas, ou quase a viagem inteira de carro de Inverness, Escócia, até Londres. Não parece um período de tempo imponente até que você começa a tentar imaginar como vai desenrolar uma pedalada de 37 horas. Então essas nove horas ficam um pouquinho mais assustadoras. E é este o desafio que eu encarava ao me aprontar para atacar o novo recorde e recuperar o Tempo Mais Rápido Conhecido na North Coast 500.
Eu nunca teria pensado que uma das minhas metas mais curtas seria também uma das mais difíceis. No fim das contas, se compararmos com fazer 30 mil km de bike ao redor do mundo, pedalar 516 milhas (830 km) pela Escócia parecia quase uma miséria. Mas nada disso: tentar quebrar o recorde da North Coast 500 foi a pedalada de esforço contínuo mais difícil da minha vida. Talvez porque ir mais rápido, não necessariamente mais longe, é de certa forma, para mim, uma nova abordagem ao ciclismo.
Mais de duas décadas da minha carreira foram dedicadas ao ciclismo de ultra endurance. Parte disso foi em 2015, quando completei o percurso da North Coast 500 em 37 horas. O ápice foi, sem dúvida, em 2017, quando realizei minha meta de pedalar ao redor do mundo. Esse esforço durou 78 dias, o tempo mais rápido até então, e exigiu muito mais do que pernas e mente forte. A complexidade do recorde de circunavegação do mundo vem da extensa logística, variedade de climas e condições e o simples desgaste de uma pedalada dessa extensão. Pedalar ao redor de todo o globo sempre pareceu ser a prova definitiva, até literalmente, porque não há nada maior do que o mundo.
Então, depois de dedicar tanto tempo e esforços a pedalar mais longe, os últimos cinco anos trouxeram um novo desafio: aprender a ir mais rápido. Nesse tempo, os menores ganhos em treinamento, nutrição, ajustes e logística me fascinaram nessa busca. E sem distâncias maiores para cobrir, eu me senti de certa forma livre para focar em pedaladas que me desafiassem de novas maneiras, explorando o gravel, o contra relógio e até penny farthings! No entanto, o endurance de estrada sempre foi minha paixão, e tendo vivido uma carreira de recordes e expedições, eu nunca tinha competido devidamente. Eu estava pronto para um novo desafio.
A RAAM, a lendária Race Across America, tornou-se o novo desafio que me cativou. Ela cobre cerca de 4800 km desde Oceanside, Califórnia, na Costa do Pacífico, até Annapolis, Maryland, junto ao Atlântico. Parecia o evento perfeito para alguém que gosta das distâncias do ultra endurance e queria experimentar uma competição de verdade. Os preparativos foram extensos, e em 2021 estávamos prontos, com uma equipe de revezamento. James Lowsely-Williams, o Hank, e eu, buscamos fazer a primeira travessia dos EUA com revezamento em menos de seis dias. Mas o mundo tinha outros planos. O Reino Unido voltou a decretar restrições de viagens, interrompendo abruptamente nossas esperanças de competir na RAAM nesse ano.
Ativamos nosso treinamento de pent-upe nos preparamos para algo local, focando na Land’s End a John O’Groats. É uma rota Sul-Norte ponta a ponta clássica no Reino Unido, e não havia recorde com revezamento. Para fins de contexto, Michael Broadwith detém o recorde masculino solo para a rota de 1406,5 km, de 43 horas e 25 minutos. Mantendo esforços revezados de uma hora, Hank e eu completamos o percurso em um pouco mais de 38 horas. Sim, foi brutal, mas também foi uma incrível injeção de confiança que levaríamos para a Race Across America no ano seguinte.
Avançando 12 meses, e firmei parceria com Jonathan Schubert para a edição de 2022 edition da RAAM. Ele foi o primeiro homem a cumprir um contra relógio de 100 milhas (161 km) em menos de três horas. Ele certamente tinha força, mas será que teria a experiência para um evento de 4800 km? Nunca conseguimos descobrir. Na Califórnia, 14 horas antes da largada oficial e na melhor forma das nossas vidas, o Jon testou positivo para COVID. Eu fiquei devastado por ele e arrasado pessoalmente. Parecia que um ano de treinamento e sacrifício no front familiar foram por nada. Eu estava na melhor forma da minha vida e não tinha aonde competir!
Me senti anestesiado para a realidade e quase em negação do inevitável. Então parti de Oceanside sozinho, no meio de todas as equipes de revezamento, esperando desesperadamente que um plano B se materializasse. Talvez o Jon testasse negativo e pudesse reingressar na prova, talvez um novo colega de time aparecesse, talvez me autorizassem a competir solo. Depois de 800 km quase sem pausa, a futilidade da empreitada finalmente bateu. Eu estava no meio do Arizona quando por fim parei, e as emoções transbordaram. Lá no deserto, comecei a chorar.
Todos os atletas, em todos os níveis do esporte, enfrentam revezes. Como tudo na vida, temos pouco controle sobre os fatores externos, mas podemos escolher como responder. Levou umas semanas para eu colocar minha cabeça em ordem após a decepção da segunda tentativa malsucedida na RAAM. Mas um tempo em casa com minha família e alguma distância da intensidade da equipe e da pressão das competições fez maravilhas. Eu tenho uma dívida de gratidão com minhas filhas, Harriet e Willa. Elas brilhantemente me lembraram de como viver o momento, seguir em frente depois de reveses e sempre olhar para frente. Com seu incentivo e perspectiva, eu estava motivado a reagir e resgatar a temporada de 2022.
Com uma nova mentalidade – eu não tinha desperdiçado um ano de preparação, mas sim treinado para ficar na melhor forma da minha vida – eu trabalhei com minha equipe de performance para criar uma nova meta. Nós buscaríamos recuperar o recorde da North Coast 500 que eu tinha conquistado em 2015. A marca inicial de 37 horas era derrubada a cada ano. Mais recentemente, Robbie Mitchell, que em 2021 foi o campeão escocês de contra relógio de 24 horas, cobriu o percurso de estrada de 516 milhas em atordoantes 29 horas e 6 minutos. Logo depois de voltar dos EUA, eu não tinha ideia de como cortaria quase nove horas do meu melhor tempo anterior.
Mas é para isso que são as equipes: todos trabalhando juntos para atingir uma meta comum, para infundir confiança. Trabalhando com meu treinador Pav Bryan, focamos em força de endurance de topo, o que significava muto mais intervalos de VO2 máximo e esforços duros sustentados. Testes no velódromo de Newport e no túnel Catesby nos forneceram dados importantes sobre meu posicionamento e eficiência aerodinâmica, permitindo que eu pudesse otimizar minha posição na bike. Também utilizamos o aplicativo MyWindSock para sobrepor fatores meteorológicos e climáticos sobre os dados do trajeto, para obter melhores indicadores de desempenho. Então tinha a nutrição, passada a uma dieta principalmente líquida para aqueles duros esforços de contra relógio.
Da perspectiva da forma física, precisávamos de um ponto de partida adequado. Por isso, um mês antes da tentativa de recorde, visamos um evento 'de teste', a corrida de gravel de 500 quilômetros GBC, realizada no Québec, Canadá. Eu nunca tinha pedalado no gravel norte-americano, que para muitos europeus parece ser pouco mais do que uma competição em estradas poeirentas. Ela provou ser muito mais do que isso.
Realizada em um local de um perfeito cartão postal, eu fui arrebatado pela beleza e comunidade ao redor do formidável evento. Na divisa com Vermont, a rota serpenteava entre florestas aparentemente intermináveis, passando por lagos deslumbrantes e resorts de esqui. Eu saboreei a oportunidade de performar nos meus próprios termos, sem equipe de apoio, sem colega de equipe, só uma cruel estada de gravel durante 500 quilômetros, sem pausas. Após 28 horas de uma competição dura, eu cruzei a linha de chegada eufórico e exausto. Para a maioria dos ciclistas, este é um evento de experiência, não de liderança, por isso ninguém mais realmente dá importância. Mas para mim, dar tudo e pedalar pela vitória parecia importante. Aqueles de nós que almejavam as primeiras colocações certamente travaram uma boa briga. Foi uma forma divertida de confirmar que eu estava pronto para tentar pedalar mais rápido do que nunca. Eu também consegui fazer um esforço duro por quase o mesmo tempo que eu estava visando na NC500.
Porém, partir do Castelo de Inverness, na Escócia, um mês mais tarde, foi uma experiência muito diferente daquela do gravel do Québec. Eu pedalei uma bike de contra relógio, otimizada para eficiência aerodinâmica. Eu estava rodeado por uma impressionante equipe de 18 pessoas cuidando da performance e logística, enquanto um time de filmagem documentava a experiência toda. Eu tinha expectativa de cobrir quase 320 km a mais em aproximadamente o mesmo tempo.
O primeiro grande desafio surgiu cerca de quatro horas após o início: negociar os 600 metros de desnível da passagem de Applecross. Marcando um recorde de limiar de potência nessa escalada, eu sabia que estava pedalando um pouco forte demais neste estágio. Eu me preocupava em ter de pagar por isso mais tarde. Em torno de sete horas, eu tive minha primeira crise mental, com a qual competidores de endurance podem se identificar. A empolgação da largada tinha passado e eu estava bem no meio da pedalada. Eu comecei a sentir dores e a escala da pedalada bateu. Eu podia pedalar pela estrada à minha frente, mas manter o nível de potência naquelas minúsculas e brutas estradas onduladas era difícil. O que mais me colocou para baixo naquele ponto foi perceber que eu estaria na mesma posição aerodinâmica, fazendo a mesma coisa, por mais 21 horas, sem praticamente nenhum descanso.
Você pode quase sempre pedalar pela estrada à sua frente; é a escala da estrada não vista que faz com que as pessoas parem. Os jogos mentais continuaram à medida que o dia se tornava noite, as centenas de quilômetros passavam e o vento aumentava nos últimos 160 km.
Mas enquanto os obstáculos se acumulavam, eu estava determinado a resistir. Em uma pedalada dessas, um evento em casa, na Escócia, uma rota clássica que normalmente leva de sete a dez dias, eu tinha de deixar tudo isso do lado de fora. Cada sessão de treinamento, cada sacrifício, cada frustração da temporada se empilharam em um esforço de 28 horas e meia. Minha esposa Nicci estava na van de apoio e havia uma crença inabalável da minha equipe de que eu conseguiria. Como atleta, é perfeitamente humano duvidar de si mesmo. Mas eu não queria decepcionar minha equipe, meus patrocinadores, a mim mesmo.
E acabou sendo o maior esforço de toda a minha carreira. Eu nunca fui tão a fundo por tanto tempo. Comparada a esta, uma pedalada de vários dias ou várias semanas seria dura, mas era sem dúvida de outro nível em termos de desempenho e velocidade pura. Minha potência normalizada ao longo do percurso foi de 261 watts. Eu fiquei meros 16 minutos descansando fora da bike durante um tempo total de 28 horas e 34 minutos. Foi algo que, apenas alguns meses antes, eu nunca pensaria que seria possível.
A despeito das lutas, dos revezes, das decepções, 2022 foi uma temporada maravilhosa no final. De certa forma os desafios a tornaram mais rica, virando combustível para o fogo de voltar a vencer competições e quebrar recordes. Como marido e pai, estou grato em ainda ter o amor e o apoio da minha família para pedalar minha bike 'com raiva', de forçar a mim mesmo como atleta e explorar o mundo na velocidade de uma bicicleta. Achar qualquer tempo que valha a pena celebrar por si mesmo.
Argon 18 North Coast 500 quebradora de recordes
equipada com DURA-ACE Di2
de Mark Beaumont
Quadro: Argon 18, E-119 Tri+ Disc
Trocadores: Shimano DURA-ACE R9160 Di2 com botões de troca no aero bar
Freios: Shimano DURA-ACE R9180/R9270, conjunto manete/pinça
Câmbio traseiro: Shimano DURA-ACE R9270 Di2
Câmbio dianteiro: Shimano DURA-ACE R9270 Di2
Pedivela: Shimano ULTEGRA 53-39 D
Cassete: Shimano DURA-ACE 11-34 D
Corrente: Shimano CN-M9100 12 velocidades
Rodas: Hunt
Pneus: Continental Grand Prix 5000 - 28 mm
Rotores: Shimano MT900, 140 mm
Guidão: 51 Speedshop
Mesa: 51 Speedshop
Canote: Argon 18 TT
Selim: ISM
Pedais: Shimano DURA-ACE R9100 SPD-SL
'É um absoluto avião de caça Uma vez ajustada, as rodas zumbem como turbinas de vento, os cliques do freehub ecoam de forma satisfatória pelo disco nas descidas. E os controles são micro, botões no guidão, fazendo trocas de marchas eletrônicas instantâneas. Esta bicicleta parece rápida, parece extrema e coloca um enorme sorriso no seu rosto.’