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- 28/08/2025
A história a seguir é extraído da CADENCE, uma coletânea de contos de ciclismo de estrada de todo o mundo. Cada história é contada para inspirar, para nos levar mais para perto dos personagens e comunidades, próximos e distantes, todos conectados pela cola de uma vida vivida sobre duas rodas.
Nota do editor: Chris Cosentino não gosta de se gabar. Um autoproclamado "lavador de pratos glorificado", ele prefere limpar a caixa de gordura a falar de suas realizações. Mas essas realizações são, não obstante, dignas de nota. Então vamos fazer isso por ele.
Ele foi vencedor do Top Chef Masters, comanda uma das cozinhas mais celebradas de San Francisco, estrelou em uma série de TV e escreveu um livro de receitas premiado. Sua experiência e amor pelo ciclismo e pela culinária são as razões pelas quais ele foi ao Japão para explorar Sakai e nos dar a todos um gostinho do local de nascimento da Shimano.
Desde o momento em que pus os pés no Japão, minha empolgação era tão grande que eu poderia cortá-la com uma faca. Eu cheguei a Sakai, uma pequena cidade industrial nos arredores de Osaka e berço da Shimano, para explorar o legado culinário e ciclístico da região. Estou aqui para ver o que faz este pedacinho do Japão ser tão especial.
A estrada para a degustação começa logo que saio do avião, pois vamos para um restaurante de okonomiyaki, a panqueca salgada de jantar japonesa. Lá eu encontro Eda e Kura, que trabalham na Shimano. Eles serão meus guias turísticos e tradutores para esta excursão turbilhante de gastronomia e bikes. Fazemos as apresentações com o kanpai, a onipresente tradição japonesa de servir bebidas uns aos outros, fazendo com que o copo nunca fique vazio. Eu não bebo álcool, mas Eda e Kura me asseguraram que pode ser bebida uma cerveja não alcoólica e, por isso, podemos todos participar desse ritual de convivência consagrado pelo tempo, que sela nossa nova amizade. No meio da minha primeira refeição completa da viagem, já estou mergulhado no poderoso senso de tradição que flui por todo o Japão.
Entre as tradições do país e da região, Sakai se destaca como um centro de produção artesanal, especializado na arte da fabricação de metais. Pessoas de todo o mundo cobiçam as lâminas feitas aqui, desde espadas de samurai a facas de chef. Para testemunhar o processo em primeira mão, fomos até Takayuki Sakai, um dos mais celebrados fabricantes de facas em uma das regiões mais famosas pela confecção de facas de todo o Japão.
Entramos na área de produção e nos encontramos com o Mestre Itsuo Doi. Ele está de pé em um buraco na altura da cintura junto a um fogo, moldando lentamente cada lâmina usando o martelo de ferro do seu avô. Ele é a terceira geração da família que forja facas desta maneira tradicional. Essas lâminas são feitas usando-se um processo demorado, que remove impurezas, endurece o aço e torna essas facas fortes e duráveis. Embora esteja concentrado na temperatura e no processo, ele sorri o tempo todo, feliz em compartilhar a arte da sua família com visitantes. Ele tem um ar de calma que, ao mesmo tempo, inspira respeito e admiração de sua equipe e qualquer um que o encontre.
Quando era um jovem cozinheiro, economizei todo o dinheiro que podia para comprar uma faca japonesa. Elas são celebradas em cozinhas do mundo inteiro, já que suas lâminas se tornam uma extensão da pessoa que as usa. Elas são ferramentas frequentemente mantidas por toda a carreira e mesmo passadas de pai para filho, ou outros membros da família. Testemunhar um mestre em sua arte é um momento de beleza, e como admiro o trabalho do Sr. Doi, ele me entrega uma faca para guarnecer ainda não acabada, um presente de três gerações de conhecimento e habilidade.
Afiar e polir transformará essa lâmina bruta em uma faca acabada. Na sala seguinte, Mitsuo Yamatsuka toma o objeto e fixa-o a um velho gabarito de madeira, para fazer a ponta no formato tradicional Ele trabalha com toda a família na sala de afiar: sua filha e dois filhos, assentando, moldando, afiando e polindo cada faca. Os formatos e estilos das facas da Takayuki Sakai foram apurados e refinados ao longo de mais de 600 anos.
A lâmina acabada é cuidadosamente embrulhada em papel oleado, e agora está pronta para ser usada. E algo impressionante foi que eles me deixaram ajudar em todas as etapas do processo, do tratamento térmico ao martelamento. Essa faca foi feita especialmente para mim, de verdade, e eu a manterei com carinho. Fomos levados ao showroom, e observamos com admiração a incrível coleção de facas. Uma das etapas finais envolve a gravura, sendo que a magistral Michiko Kubota aprendeu por conta própria como inscrever nas facas desenhos artísticos exclusivos, que ela faz especificamente para cada cliente.
Fico tão absorvido pelo processo e cada artesão está tão interessado em mostrar seu trabalho que ficamos mais duas horas na fábrica. Agora estamos morrendo de fome. É hora de uma tigela rápida de lámen. Mesmo que o lugar que encontramos tivesse uma fila se estendendo pela calçada, foi um processo bem rápido. O lámem é a versão japonesa da fast food, e fizemos o pedido em uma máquina de venda automática. Sim, isso mesmo. Ela oferece preparações de lámem personalizadas: diferentes tamanhos, ingredientes extras, caldo misturado ou em vasilha separada, mais macarrão, cerveja, etc. Fazemos nossos pedidos, pagamos à máquina e sai um bilhete de comida. Então nos sentamos e, alguns minutos depois, trocamos cada bilhete por uma tigela de lámen fresquinha. É um caldinho de porco lindamente rico e cremoso, macarrão de dar água na boca, carne de porco untuosa e ovo cozido gelatinoso. O caldo é a chave, porque ele foi preparado de forma que a gordura emulsificou com a proteína da carne, criando um caldo rico com textura e sabor incríveis.
Reabastecidos e prontos para explorar o legado ciclístico desta região, é hora de ir ao Shimano Bicycle Museum. Na chegada, diversos grupos de alunos estão no meio de uma atividade, desenhando as diferentes bikes em exposição. Masahiko Jimbo, nosso guia turístico, que trabalhou na Shimano por 38 anos, explica que as crianças estão participando de um concurso de desenho que visa promover o ciclismo e a educação nas escolas locais.
A geração futura está aqui está aqui para vivenciar a história e a evolução das bicicletas, da mesma forma que nós. Este museu é tanto uma galeria cuidadosamente curada de componentes Shimano quanto uma celebração abrangente da bicicleta e sua história, preservada para todos apreciarem. É impressionante ver a coleção apresentada, que vai da primeira bicicleta, um veículo para adultos chamado de velocípede, passando por uma "bone shaker", uma bicicleta antiga de roda dianteira enorme, uma bike de entrega de leite, um modelo de competição para seis pessoas, até as mais modernas máquinas de competição. Há quadros feitos de madeira, aço, titânio, carbono e magnésio, rodas de todos os tamanhos, transmissões com todas as coroas e pinhões que já existiram. Cada tipo de bicicleta imaginável está em exibição, para todos apreciarem. Enquanto eu admirava a história diante de mim, o Sr. Jimbo explicou que Shozaburo Shimano, fundador da Metalúrgica SHIMANO original, em 1921, começou sua carreira como fabricante de facas. Seu entendimento e experiência em temperar metais para torná-los mais fortes e mais duráveis o levou a pensar o que mais ele poderia fazer com essa habilidade. Ele olhou para a bicicleta e percebeu que poderia melhorar a transmissão, especialmente rodas livres de marcha única, usando as habilidades que ele aperfeiçoou como fabricante de facas.
Enquanto o Sr. Jimbo explicava as origens da Shimano e falava da primeira roda livre que a empresa produziu, no início da década de 1920, eu não podia deixar de saborear o feliz acaso de ter visto o Sr. Doi forjar e temperar aquelas facas mais cedo. Meus mundos do ciclismo e da culinária eram mais próximos do que eu jamais poderia imaginar, especialmente aqui em Sakai. Contrastando com a busca pelo aperfeiçoamento de facas e peças de bicicletas finamente produzidas que tornou esta pequena cidade famosa, eu há muito tempo sou fascinado por outro relacionamento com a perfeição, o wabi sabi. O wabi sabi celebra a beleza da imperfeição. Nada representa mais este conceito para mim no mundo da culinária do que os miúdos de carne, que os japoneses chamam de motsu.
Eu dediquei uma boa parte da minha carreira culinária aprendendo a tornar esses miúdos mais acessíveis e deliciosos para as pessoas. É uma busca sem fim aprender a como aperfeiçoar a preparação dessas sobras aparentemente imperfeitas. Por isso, sempre visito um novo lugar, adoro aprender como os chefs locais e as tradições culinárias tratam os miúdos.
Eu não podia voltar para casa sem provar o motsu local, o que nos levou a jantar no Kuriya, um restaurante conhecido por servir miúdos de vaca e porco, preparados em uma grelha na sua mesa. Este tipo de refeição se tornou uma parte celebrada da cozinha japonesa, não apenas por seu sabor, mas pela praticidade. O pais tem espaço limitado para o cultivo de legumes e verduras e a criação de animais de corte, por isso maximizar o resultado é uma prática padrão. Além da praticidade disso tudo, o uso máximo do animal respeita a vida e a energia investido na produção desses alimentos que estamos prestes a comer. Sentamos em um pequeno estacionamento, cozinhando em uma binchotan, uma churrasqueira com um carvão especial que não solta labaredas quando gordura pinga da carne. O estilo de cocção preserva os sabores e também evita qualquer sabor de queimado na carne. Estou no meu elemento. Minhas habilidades culinárias estão sendo úteis aqui, já que cada corte é único e precisa ser grelhado de forma diferente, para se obter a melhor textura e sabor. Há tantos cortes incomuns – bochecha bovina, fígado de bezerro (que é um corte único do bucho), músculo da garganta, saia interna, saia externa, língua bovina, pescoço de galinha, todos com molhos específicos para mergulhar.
O tradicional kanpai não deixa nenhum copo vazio enquanto consumimos rodada após rodada estes miúdos grelhados na hora. O enchimento de copos celebratório e uma refeição feita em uma grelha centralizada oferecem um sabor japonês único ao sentimento mais universal de convivência e hospitalidade que vêm de compartilhar uma refeição.
Embora estejamos cheios de drinques e miúdos grelhados, não há como escapar de acordar cedo na manhã seguinte para começar a pedalar antes que fique quente demais. Isso não é problema para mim, já que o jet lag me fez acordar e ir para fora às 4 da manhã. O som das cigarras parece um milhar de alarmes de carros disparando ao mesmo tempo. Aparentemente, é o som do verão aqui.
A pedalada nos leva de Sakai a Kyoto, começando pelo castelo de Osaka, de 450 anos de idade. Cruzamos a cidade até uma ciclovia que acompanha o rio, passando por quadras de basquete e encontrando corredores e ciclistas de todas as idades. Fizemos uma parada para um lanchinho e água em um 7-Eleven. Mas foi uma experiência de minimercado muito diferente de todas que já tive nos EUA. Este estava repleto de uma seleção incrível de comidas saudáveis deliciosas. Havia bolinhos de arroz onigiri com sabores como salmão, espinafre com gergelim, alga, atum, ovas de polaca-do-alasca picantes, atum picante e vegetais. Os coolers e freezers estão cheios de refeições frias e guloseimas, como sanduíches de ovo com gemas perfeitamente gelatinosas, sorvetes de todos os tipos, frutas congeladas, bebidas de café gelado, oito tipos diferentes de cervejas não alcoólicas e minha nova queridinha, a Pocari Sweat, uma bebida isotônica japonesa que é bem prática no verão. Aqui no meio do verão é bem quente, tipo 36 graus Celsius, com umidade relativa de 100 por cento. Sufocante!
Abastecidos com café gelado e um kanpai de cerveja não alcoólica, voltamos para a estrada em direção a Kyoto, Nosso destino é o antigo templo de Fushimi Inari-taisha, no Monte Inari. Ele é impressionante, com fileiras de arcos e colunas laranja que levam ao topo da montanha. Este é um lugar de reverência, com pessoas e famílias se reunindo para prestar respeitos, fazer oferendas e rezar com o badalar de um sino.
Do lado de fora vemos mulheres em quimonos tradicionais, tomando sorvete. Elas riem enquanto passo pedalando, sem dúvida se divertindo com minha roupa de baixo glorificada, também conhecido como conjunto para bike. Depois de muitos risos e comportamento bobo (imagens para jamais serem vistas), voltamos para a estrada e para a próxima surpresa. Uma vez no centro de Kyoto, nos encontramos com Okajima de Haura, que faz bonés de ciclismo e fitas de guidão a partir de tecidos que ele mesmo estampa. Ele usa o mesmo processo que sua família emprega desde 1855, a arte tradicional de tingir à mão tecidos usados em forros de quimono, conhecida como Kyo yuzen.
Na manhã seguinte novamente saímos cedo, para evitar o calor, e pedalamos através de arrozais até Niwadani, nos arredores de Sakai. A variedade de arroz plantada aqui é a koshihikari, que apresenta um equilíbrio entre doçura e pegajosidade. O Japão tem cultivado arroz como parte de sua economia há mais de 2.000 anos, e em uma certa época o produto foi usado até como forma de dinheiro. Este grão, sem dúvida, forma a espinha dorsal da culinária e da gastronomia japonesa.
Os arrozais estão verdejantes e as estradas vazias de veículos, exceto por um caminhãozinho de trabalho ocasional. Bem no meio da estrada fica um santuário, para que as pessoas prestem seus respeitos e façam orações. Existe uma ótima pedalada ali, com algumas subidas incisivas que parecem estar no meio do nada.
E subitamente, de surpresa, aparece uma máquina de venda repleta de sorvetes, macarrão e bebidas de temperaturas variadas. Já está fazendo um calor escaldante, então todos escolhemos sorvete, para refrescar. Pedalamos pelos morros passando por campos de beisebol, uma criação de porcos e um campo de golfe escondido por algumas árvores, tudo em uma estrada de pista única. Quando Kura me deixa comendo poeira em uma subida, eu me arrependo da escolha de ter tomado sorvete com esse calor.
Antes de voltarmos ao hotel, fazemos um rápido desvio para a sede da Shimano. Existe um santuário construído em respeito aos açougueiros que antigamente trabalhavam nesta parte da cidade. Muito antes da Shimano estabelecer operações no local, este era o centro do mercado de carnes de Sakai. Embora a indústria tenha se mudado, a referência aos trabalhadores e sustento do passado permanece.
Uma rápida passada pelo hotel, e estamos no trem para o centro de Osaka, a 13 quilômetros. A capital do distrito está repleta de pessoas de todos os tipos, de alunos de escolas fazendo selfies, a famílias fazendo compras e um pessoal jogando em salões de vídeo pachinko. Para todos os lados para onde vamos, luzes piscam e música retumba, como uma rave que nunca acaba. Vagamos até o shopping principal, cujo andar de baixo é um paraíso gastronômico. Existe uma melancia triangular que custa US$ 1500, cortes loucos de Kobe Beef, uma seção dedicada a miúdos, frutos do mar perfeitos e uma seção completa de enguias. Há chefs de sushi, chocolatiers, centenas de tipos diferentes de missô, uma área que parece ter infinitos estilos de vegetais fermentados, padarias e praticamente todo tipo de comida que você possa imaginar. Tinha até uma celebração da culinária mexicana, com uma banda de mariachi se apresentando.
Vamos então à rua central, que abriga uma miríade de pequenos restaurantes, todos amontoados uns com os outros. Cada portinha serve uma especialidade diferente. Tem tempura no palito, pão de porco, lámen e meu prato favorito, os takoyaki, também conhecidos como bolinhos explosivos de polvo quente. Eles são tão, tão deliciosos, mas também muito capazes de destruir bocas impacientes. Eu exercito um pouco de autocontrole e combino o takoyaki com maionese Kewpie, molho especial, retalhos de nori e flocos dançantes de bonito. É épico.
No meio do caos, entramos em um pequeno ponto de sushi que ocorre ser um restaurante tocado por várias gerações de uma mesma família. Aqui, avós, pais e filhos preparam algumas poucas especialidades que eles aperfeiçoaram ao longo dos anos. O sushi é só sushi, em um menu cheio de peixe fresco, como bebês sardinha, mentaiko, dois tipos de uni, todos os tipos de cortes de atum, ovas de arenque e moluscos de água salgada, só para citar alguns itens. É um momento calmo em uma tempestade gigante de restaurantes com hordas de pessoas passando do lado de fora. No meio do caos, a perfeição está em todo o lugar. Você só precisa desacelerar e se concentrar para encontrá-la.
Talvez perfeição não seja a palavra certa, já que no Japão não existe a perfeição em si, mas uma busca interminável para chegar a ela. Conforme Eda e Kura me explicam, isso é conhecido como kaizen. É o que faz com que as pessoas passem adiante seu conhecimento e experiência, na esperança de que essas habilidades perdurem e melhorem, geração após geração. É um conceito fácil de compreender. Eu tenho frequentemente adotado uma filosofia semelhante para o ciclismo e a culinária – só não sabia que existia uma palavra específica para ela. Para mim, é sempre sobre aprimoramento. O momento em que você acha que aprendeu o suficiente ou que é forte o suficiente é o momento em que está prestes a aprender que está errado. A perfeição é uma busca. Embora esta viagem pareça perfeita, o Japão tem tanto a oferecer que, com certeza, voltarei para mais.